Para começar o ano bem atualizado sobre a importância da biodiversidade: Relatório Planeta Vivo 2020
- Vanessa Schweitzer dos Santos
- 31 de jan. de 2021
- 9 min de leitura
O fim de 2020 nos presenteou com a mais recente versão bianual do Relatório Planeta Vivo, da WWF (World Wide Fund for Nature), esse ano intitulado Reversão da Curva de Perda de Biodiversidade. Já tem um texto aqui no blog sobre o uso desta publicação como instrumento pedagógico - visto que é uma fonte de dados confiável, atualizada e abrangente.
A décima terceira edição do estudo ressalta a importância da manutenção da biodiversidade no planeta, sempre relacionando a conservação ambiental com a qualidade de vida humana, um fator muito importante para a educação ambiental. Assim, nas palavras do próprio Relatório, “a destruição da natureza pela humanidade tem impactos catastróficos não apenas nas populações de espécies selvagens, mas também na saúde humana e em todos os aspectos de nossas vidas”.
Logicamente a versão 2020 da publicação contextualiza a pandemia do Covid-19, definida como a “mais profunda ruptura global da época em que vivemos”, e apresentando a mesma como uma das “provas inequívocas de que a natureza está se desintegrando e que nosso planeta está emitindo alertas vermelhos”. Faz tempo que as publicações bianuais do Relatório vinham alertando para o agravamento da problemática ambiental, e, infelizmente, 2020 deixou claro ao mundo que a maneira como estamos tratando a nossa casa, nosso planeta Terra, é insustentável em diversos aspectos. “A Covid-19 é uma manifestação clara da ruptura de nosso relacionamento com a natureza, pois destaca a profunda interconexão entre a saúde das pessoas e do planeta”. Chocante e real!
Um dos aspectos mais interessantes do Relatório Planeta Vivo, principalmente quando analisado enquanto instrumento pedagógico, é a relação que a publicação costuma apresentar, entre os maiores desafios das sociedades na atualidade: ecológicos, sociais e econômicos - indissociáveis em suas causas, consequências e possibilidades de intervenções.
A contextualização de abertura do Relatório 2020 ilustra a biodiversidade enquanto diversidade biológica mundial, e alerta que a sua conservação depende da sustentabilidade do uso de recursos naturais, da redução da poluição e do desperdício no consumo. Sim, o consumo sempre está em pauta! Ele é a base da nossa sociedade e o elemento mais importante a se controlar, em termos de sustentabilidade.
Quando aborda-se a “biodiversidade”, é preciso compreendê-la como algo mais abrangente do que a soma das espécies isoladas de uma área, constituindo-se de toda riqueza de recursos naturais e serviços ecossistêmicos ali presentes, como ilustrado na Figura 1. Necessário ainda compreender que é desta gama de espécies, a qual chamamos de “biodiversidade”, que obtém-se alimentos, fibras, água, energia, medicamentos e outros recursos genéticos. Conforme será abordado na sequência do texto, a biodiversidade é essencial para a regulação do clima, a qualidade da água, o controle da poluição, a garantia dos serviços de polinização e o controle de eventos extremos, como inundações e tempestades. Além disso, conforme o Relatório Planeta Vivo 2020, “a natureza sustenta todas as dimensões da saúde humana, além de oferecer contribuições intangíveis, tais como inspiração e aprendizado; experiências físicas e psicológicas; e a formação de nossa identidade. Esses elementos são fundamentais para a qualidade de vida e a integridade cultural dos seres humanos”.

Figura 1: Cascata do Caracol, em Canela/RS. Fonte: a autora.
Na segunda parte da publicação são apresentados os tradicionais índices de acompanhamento da WWF, em especial o Índice Planeta Vivo (IPV), que analisa, por meio de estudos de universidades e outras instituições de pesquisa, aproximadamente 21.000 populações de mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios no mundo todo. A cada dois anos, no lançamento do Relatório Planeta Vivo, os dados atualizados apresentam um panorama mundial da conservação da biodiversidade. Vale lembrar que como o IPV considera grupos taxonômicos diversos, pode-se avaliar a conservação de diferentes ecossistemas. O indicador analisa dados de populações destes grupos desde 1970. A Figura 2 apresenta os dados do IPV de 2020.

Figura 2: Índice Planeta Vivo global: 1970 a 2016. Fonte: Relatório Planeta Vivo 2020 (WWF, 2020).
Nas palavras do próprio documento em questão, “o IPV global de 2020 revela uma queda média de 68% nas populações monitoradas (...), entre 1970 e 2016”. Cabe a reflexão de que sempre que uma população é extinta, ou diminui drasticamente sua distribuição natural, perde-se também as relações estabelecidas entre ela e seus predadores, presas e o próprio ecossistema onde está inserida, muitas vezes por conta da própria perda de habitats.
Inclusive, em diversos trechos do Relatório Planeta Vivo 2020 a drástica perda de habitats vem sendo citada como um dos fatores mais expressivos para a diminuição da biodiversidade. Um exemplo disso, que pode-se observar aqui no Brasil, especialmente no Vale do Rio dos Sinos, é a perda de áreas úmidas. As regiões próximas aos corpos hídricos, aqui chamadas de banhados, são espaços de rica diversidade biológica. Ecossistemas complexos, modificados ao longo do ano pela sazonalidade, auxiliam na retenção de água para períodos de estiagem, abrigam fauna e flora específicas, adaptadas à períodos sob a água, e estabelecem uma área de transição fundamental entre o corpo hídrico em si e as áreas de terra firme. Há inclusive um texto aqui no blog sobre a importância de conhecer e conservar as áreas úmidas.
As estimativas da WWF, para 2020, são de mais de 85% das áreas úmidas perdidas. Na região dos trópicos, essa diminuição pode ser ainda mais expressiva: “a conversão de campos, savanas, florestas e áreas úmidas, a sobre-explotação de espécies, as mudanças climáticas e a introdução de espécies exóticas são os principais motivadores dessa queda”.
Por falar em áreas úmidas, o Índice Planeta Vivo também tem uma seção exclusiva para a biodiversidade em ambiente aquático continental, o IPV de Água Doce. Tragicamente os dados nessas regiões preocupam mais do que em oceanos ou florestas. Conforme o estudo de 2020, “as 3.741 populações monitoradas no Índice Planeta Vivo de Água Doce – que representam 944 espécies de mamíferos, pássaros, anfíbios, répteis e peixes – diminuíram em 84%, em média, desde 1970”. Há uma ameaça especial à megafauna de água doce, por conta da maior vulnerabilidade desses animais de grande porte diante da caça e a própria destruição de habitats ou locais de reprodução.
Tão importante quanto a vida sob a água, é a vida presente no solo. Essa, aliás, juntamente com a água e o ar presentes na terra, são suporte para toda vida que cresce a partir dela, por meio dos nutrientes e processos biológicos que sustentam o desenvolvimento vegetal e, por consequência, animal. Sobre a diversidade de organismos que habitam o solo, o Relatório Planeta Vivo 2020 traz a Figura 3 para ilustração.

Figura 3: Diversa comunidade que habita o solo. Fonte: Relatório Planeta Vivo 2020 (WWF, 2020).
Embora desempenhem um papel ecológico essencial, muitos desses organismos presentes no solo ainda são pouco conhecidos ou estudados, fator que dificulta ações para sua conservação. O mesmo acontece com as populações de insetos, com raras exceções, para o acompanhamento daqueles que desempenham alguma função mais específica na interação humana, especialmente os que acabam sendo considerados “pragas” para a agricultura. Espécies assim são monitoradas com maior expressividade - pesquisas que já deixam claro que agrotóxicos e outros insumos agrícolas afetam diretamente a biologia dos insetos.

Figura 4: Coleta de insetos para estudo, em São Francisco de Paula/RS. Fonte: a autora.
Nuvens de gafanhotos vindas da Argentina para a região sul do Brasil, em 2020, evidenciaram que este desequilíbrio ambiental é uma realidade com a qual precisamos aprender a lidar. Anos antes, a mortandade expressiva de abelhas na região também mostrava que é preciso acompanhar mais de perto os insetos (especialmente os polinizadores) e as suas dinâmicas. Um dos serviços ecossistêmicos que sustenta a vida na Terra é a polinização, realizada inclusive por insetos que ainda não conhecemos por completo. A polinização garante o desenvolvimento e a biodiversidade vegetal, outro serviço ecossistêmico essencial para a manutenção da vida no planeta e também para a alimentação humana, a exemplo da Figura 5:

Figura 5: Abelha em flores de laranjeira. Fonte: a autora.
O Relatório Planeta Vivo 2020 é categórico ao afirmar que a conservação botânica é uma prioridade, em termos de biodiversidade, pois as plantas estão na base estrutural ecológica da vida na Terra (e na base lógica, também!). A Figura 6 apresenta um exemplo de ação de conservação de espécie vegetal, além da importância cada vez mais expressiva das coleções vivas.

Figura 6: A conservação botânica é uma prioridade em termos de manutenção da estrutura ecológica da Terra. Fonte: Relatório Planeta Vivo 2020 (WWF, 2020).
De modo geral, a Pegada Ecológica (indicador que estima a quantidade de terra e água necessárias para sustentar a vida no planeta, de acordo com o modo de consumo de recursos naturais de uma família, cidade ou instituição) vem aumentando em todo o mundo desde 1970. A publicação em questão apresenta estes dados por país, deixando claro que a disponibilidade de recursos naturais e sua demanda de consumo são desiguais pelo planeta - a maioria desses recursos não são consumidos onde são extraídos. Assim, Pegadas diferentes espalhadas pelo globo mostram as desigualdades sociais, econômicas e ecológicas da humanidade, as quais também observa-se pelos estilos de vida e hábitos de consumo de cada região.
Esses vetores de origem antropogênica de mudanças estão elencados no tópico “Nosso oceano está ‘no sal’”, em uma tabela ilustrada, que apresenta as pressões de origem humana sobre os mares, como a pesca, mudanças climáticas e espécies exóticas invasoras, entre outras, seus potenciais impactos negativos aos ambientes oceânicos (enquanto ecossistemas), e as suas consequências ecológicas.
Por vezes, compreender essa relação (atividade humana x impacto ambiental) é uma tarefa difícil, especialmente para os estudantes menores, adolescentes ou pré-adolescentes. Fica como exemplo e convite para explorar a tabela, na abordagem sobre as mudanças climáticas, que além do óbvio aquecimento imediato das águas, podem provocar a acidificação do oceano, um aumento das zonas quase nulas de oxigênio, a maior frequência de eventos extremos e mudanças nas correntes oceânicas. Em decorrência disso, em termos ecológicos, pode-se observar a “morte de corais por branqueamento; migração de indivíduos em resposta ao aquecimento das águas; mudanças de metabolismo e interações ecológicas; mudanças nas interações com atividades humanas (por exemplo, pesca ou colisões com embarcações) à medida que organismos alteram sua localização e uso do espaço; mudanças nos padrões de circulação e produtividade do oceano; mudanças na incidência de doenças e na periodicidade de processos biológicos” (WWF, 2020).
Ainda em relação aos riscos para a biodiversidade provocados por mudanças climáticas, dois exemplos reais mostram a rapidez com que uma espécie pode ir à extinção, por conta desse impacto antropogênico. É o caso dos morcegos do gênero Pteropus (conhecidos como raposas-voadoras) e o roedor Melomys rubicola. Esse último foi o primeiro mamífero a se extinguir como resultado direto das mudanças climáticas. Já os morcegos citados, são intolerantes às temperaturas maiores que 42ºC, situação em que passam a ter alterações severas nos seus processos fisiológicos de sobrevivência.
O Relatório Planeta Vivo de 2020 trouxe um termo relativamente novo - o conceito de “Contribuições da Natureza para as Pessoas”, baseado nos “Serviços Ecossistêmicos” prestados por ela. Essas contribuições incluem uma vasta gama de elementos da dependência humana da natureza, como bens, serviços e demais benefícios. Muito importante registrar essas 18 Contribuições da Natureza para as Pessoas aqui - você já parou para pensar em quanto a natureza nos oferece no dia a dia!?! No Relatório há uma tabela que ilustra as tendências globais dos últimos 50 anos de pressão sobre elas.
Contribuições da Natureza para as Pessoas (WWF, 2020):
* CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE HABITAT;
* POLINIZAÇÃO E DISPERSÃO DE SEMENTES E OUTROS PROPÁGULOS;
* REGULAÇÃO DA QUALIDADE DO AR;
* REGULAÇÃO DO CLIMA;
* REGULAÇÃO DA ACIDIFICAÇÃO DOS OCEANOS;
* REGULAÇÃO DO VOLUME, LOCALIZAÇÃO E DISPONIBILIDADE DE ÁGUA DOCE;
* REGULAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DOCE E COSTEIRA;
* FORMAÇÃO, PROTEÇÃO E DESCONTAMINAÇÃO DE SOLOS E SEDIMENTOS;
* REGULAÇÃO DE RISCOS E EVENTOS EXTREMOS;
* REGULAÇÃO DE ORGANISMOS PREJUDICIAIS E PROCESSOS BIOLÓGICOS;
* ENERGIA;
* ALIMENTOS E RAÇÕES;
* RECURSOS E ASSISTÊNCIA;
* RECURSOS MEDICINAIS, BIOQUÍMICOS E GENÉTICOS;
* APRENDIZAGEM E INSPIRAÇÃO;
* EXPERIÊNCIAS FÍSICAS E PSICOLÓGICAS;
* IDENTIDADES DE APOIO e
* MANUTENÇÃO DE OPÇÕES.
Para cada uma dessas Contribuições, a tabela de apresentação traz alguns indicadores. É um tema que pode ser amplamente explorado em sala de aula, evidenciando a importância da natureza e da sua proteção, para o nosso dia a dia! Entender essas relações entre natureza e humanidade facilita a compreensão do vínculo intrínseco que existe entre um planeta saudável e pessoas saudáveis.
Sob o título de “reversão da curva da perda de biodiversidade”, a versão mais recente do Relatório apresenta a proposta do consórcio Bending the Curve, em parceria com outras 40 universidades, organizações conservacionistas e organismos intergovernamentais. É possível reverter as tendências observadas, principalmente nos IPVs, em termos de declínio na biodiversidade? Foi buscando respostas para esse questionamento que em 2017 a iniciativa tomou forma, focando na produção e consumo alimentar, no âmbito mundial. “Com foco inédito e imediato na conservação e na transformação de nosso sistema alimentar moderno, ela nos fornece um roteiro para restaurar a biodiversidade e alimentar a crescente população humana”.

Figura 7: Biodiversidade presente também à mesa. Fonte: a autora.
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