O Relatório Planeta Vivo da WWF como instrumento pedagógico
- 5 de jul. de 2020
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Atualizado: 24 de ago. de 2020
Embora num momento inicial a educação ambiental tenha sido promovida de maneira muito associada às Ciências da Natureza, atualmente ela vem sendo desenvolvida por professores de formações diversas, nas diferentes etapas de ensino. Essa inclusive foi uma das conclusões da minha pesquisa de doutorado (em outro texto discutirei mais sobre ela). A rede de ensino municipal que foi objeto de estudo na minha pesquisa, aqui em Novo Hamburgo/RS, tem um grupo docente bastante diversificado (em termos de formação inicial), envolvido com as práticas educativas ambientais. Vejo isso muito positivamente, pois acredito que essa diversidade nos favorece enquanto educadores, e enriquece o trabalho desenvolvido.
Um desafio que se apresenta a todos esses professores é a busca por instrumentos pedagógicos que possam ser utilizados como materiais didáticos qualificados, tanto em termos conceituais quanto de adequação à educação básica e especialmente à realidade local de cada escola/comunidade. Em decorrência disso, elaborar seus próprios materiais didáticos é uma prática cotidiana dos educadores. Assim, todo material de apoio pedagógico, elaborado por outra pessoa/instituição, precisa ser adequado pelo professor, à sua realidade, para que promova aprendizagens significativas aos estudantes. Parece que nas questões ambientais isso se torna especialmente mais relevante: é necessário trazer exemplos locais, de corpos hídricos próximos, espécies nativas, fenômenos climáticos que podem ser reconhecidos pelos estudantes. Enriquecendo, deste modo, o repertório de materiais de planejamento dos professores envolvidos com a educação ambiental.
A proposta desse texto é apresentar e discutir sobre um material muito interessante, que pode ser utilizado como instrumento pedagógico, o Relatório Planeta Vivo da WWF (World Wide Fund for Nature). A WWF é uma organização internacional sem fins lucrativos que trabalha em defesa da vida, com o propósito de mudar a atual trajetória de degradação socioambiental (WWF Brasil). O relatório é uma publicação bianual da instituição e a sua versão mais recente (a décima segunda) é a de 2018 (sim, estou esperando anciosamente e versão 2020!). As publicações ocorrem no site da WWF, onde também ficam disponíveis todas as versões anteriores. O relatório completo está em língua inglesa, porém uma versão resumida (chamada de sumário) é disponibilizada em português. Mas vale a pena conferir o material completo, e adaptar, na medida do possível, à nossa língua.
Tenho utilizado o material tanto na educação básica (especialmente as imagens, gráficos e exemplos brasileiros), quanto nas disciplinas de pós-graduação. Nesse segundo caso cabem reflexões mais aprofundadas sobre os dados, em âmbito mundial, de perda de biodiversidade, dos impactos antrópicos sobre a qualidade ambiental do planeta e especialmente sobre a relação existente entre conservação ambiental e qualidade de vida. O conceito de serviços ecossistêmicos, o qual é fundamental que se aborde nas atividades de educação ambiental, permeia a publicação em diferentes aspectos. Teremos um post sobre esse assunto em breve!

Figura 1: Serviços ecossistêmicos. Fonte: WWF, 2016.
O Relatório Planeta Vivo é um material riquíssimo e uma fonte confiável para o planejamento docente e a utilização por estudantes, inclusive como fonte de pesquisa. Traz exemplos reais, especialmente associados à questão da biodiversidade e toda sua importância, em termos de qualidade ambiental. Falando em biodiversidade, a publicação explana dados a partir de várias fontes de pesquisa, muitas delas originadas em estudos realizados por universidades. São informações abrangentes, no âmbito mundial, considerados diversos grupos taxonômicos (peixes, anfíbios, aves, répteis e mamíferos). Como estas espécies habitam originalmente espaços muito diversos (aquáticos, terrestres, arbóreos, etc.), a partir destes dados podemos observar um panorama mais amplo dos ecossistemas. Nas palavras do próprio Relatório em sua versão 2018, o documento “mostra o estado da vida no planeta”.
Talvez um dos dos elementos mais relevantes do Relatório Planeta Vivo, em termos de acompanhamento da vida no planeta, expressa por meio da biodiversidade, é o Índice Planeta Vivo (IPV), o qual acompanha e analisa mais de 16.700 populações de aproximadamente 4.000 espécies. O índice global revela quase 58% de perda de biodiversidade desde 1970, sendo a região dos trópicos a mais atingida, registrando-se um declínio de 60% em menos de 50 anos (WWF Brasil). Esse tópico, por exemplo, pode ser amplamente utilizado e aprofundado em atividades educativas!

Figura 2: Índice Planeta Vivo Global. Fonte: WWF, 2018.
Um exemplo simples e que facilmente pode ser desdobrado em sala de aula é o reconhecimento das espécies dos diferentes grupos taxonômicos que são nativas da região. É possível ainda buscar suas características ecológicas (ou se nicho, numa linguagem mais biológica), comparando essas peculiaridades com o hábitat da espécie. Por falar em hábitat, qual a situação de conservação dos ecossistemas que compreendem estes hábitats na região onde a escola se insere? Existem na cidade ou no estado áreas de conservação? Muitas propostas podem se desenvolver a partir do acompanhamento do IPV! Especialmente, articulando a reflexão com os impactos antrópicos e possíveis alternativas - ações sustentáveis que podemos incorporar no nosso cotidiano local!
Destaca-se nessa edição de 2018 do Relatório, chamada de “Uma ambição maior”, a afirmação de que “a forma como alimentamos, abastecemos e financiamos nossa sociedade e economia está levando a natureza e os benefícios que ela nos fornece ao limite” (WWF, 2018). Esse é um diferencial da publicação, na minha opinião. Além de apresentar um diagnóstico da biodiversidade em si, ela identifica os principais impactos das atividades humanas na sua destruição - trazendo a temática ambiental “mais pra perto” do nosso cotidiano! Percebo esse diferencial como um ponto importante para utilização do Relatório nas práticas educativas ambientais, quando a instituição que o desenvolve afirma que o mesmo é “um veículo para partilhar e promover estes conceitos entre o maior número de pessoas” (WWF Brasil). Evidentemente, utilizando o material como base, fonte de estudo e pesquisa, a partir da qual outros desdobramentos do planejamento docente se desenvolverão.
Um ponto muito importante do Relatório Planeta Vivo, pensando em seu aproveitamento nas práticas educativas ambientais, é a abordagem da biodiversidade e sua conservação, pensando tanto na qualidade ambiental do planeta, quanto na qualidade de vida humana! A exemplo disso, de acordo com a edição 2018 do Relatório “ao menos 70% das novas moléculas dos remédios introduzidos nos últimos 25 anos vieram de uma fonte natural” - um reflexão válida em tempos de pandemia mundial e do COVID-19. Estamos tornando extintas espécies que nem ao menos conhecemos!!
Na edição de 2016 do Relatório, intitulada “Risco e resiliência em uma nova era”, destaco a definição do Antropoceno, a era dos seres humanos - nossas atividades agora “afetam o sistema que sustenta a vida no planeta” (WWF, 2016). (outro ponto que pode ser bastante explorado em sala de aula) A publicação apresenta uma reflexão muito pertinente sobre os impactos da alimentação humana no Cerrado brasileiro, a partir do cultivo e do consumo de soja, especialmente para a produção de ração animal. Neste contexto ficam evidentes as relações existentes entre os aspectos locais e globais: a maior parte da soja produzida no Brasil, que impacta diretamente nossos ecossistemas, fornece alimento para a criação de animais para o abate - carne que alimentará, por sua vez, diversos países. Produção compartilhada e impactos concentrados, não parece?

Figura 3: A história da soja no Cerrado brasileiro. Fonte: WWF, 2016.
A história da soja inicia no Cerrado brasileiro, uma formação de savana riquíssima em termos de espécies. Mais da metade desta biodiversidade foi perdida desde 1950, principalmente pela ocupação do solo para plantio de soja. Porém a demanda pela soja não é uma exclusividade brasileira, ela é um dos cultivos mais expressivos do mundo, especialmente para a produção de ração animal, visto a crescente demanda por carne e seus derivados. Assim, a pecuária de diversos lugares do mundo depende diretamente da soja produzida no Cerrado brasileiro. Finalizando esse ciclo, o Relatório reforça a importância de repensarmos nossa alimentação e buscarmos dietas mais saudáveis e sustentáveis, como maneira de diminuir a pressão exercida sobre ecossistemas ricos em biodiversidade, como o Cerrado (WWF, 2016).

Figura 4: A importância de dietas saudáveis e sustentáveis. Fonte: WWF, 2016.
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