Carregar o mínimo necessário, para ir mais longe
- Vanessa Schweitzer dos Santos
- 6 de fev.
- 12 min de leitura
O consumo está no centro dos desafios ambientais. Já discutiu-se isso em diversos textos aqui do blog. Consumir impacta diretamente a extração de recursos naturais e está vinculado também à geração de resíduos, tanto na prática e uso em si, quanto nos processos produtivos. Refletir a respeito dos hábitos de consumo é um elemento indispensável para as práticas de educação ambiental. Quando as práticas educativas desconsideram a importância do consumo para a sustentabilidade, corre-se o risco de permanecer “enxugando gelo”.

Figura 1: central de triagem de resíduos sólidos em Novo Hamburgo/RS. Fonte: a autora (2024).
Por aqui, no cotidiano e nas escolhas individuais, o consumo vem sendo ponderado a partir daquilo que realmente se precisa. As escolhas na hora das compras levam em consideração a necessidade do produto, as matérias primas envolvidas, o custo/benefício (a qualidade do item e o tempo que será utilizado) e o que pode ser feito no seu pós uso: é facilmente reciclável? Encontra-se local para disposição próximo e de fácil acesso? Deste modo, o consumo pode ser menos impactante, sob o ponto de vista socioambiental. Essas escolhas mais sustentáveis, quando considerado o consumo cotidiano e quando adotadas sistematicamente e em todos os âmbitos da vida pessoal, têm sido chamadas de “minimalismo”. Para algumas pessoas, podem ser consideradas um estilo de vida mais sustentável e menos impactante.
O movimento minimalista surgiu, no campo das artes, em meados da década de 1960. Não é a intenção desse texto relatar as características desse movimento artístico, mas faz-se necessário registrar a influência deste contexto histórico para a proposta de “minimalismo” aqui discutida. Vale lembrar que neste mesmo período o movimento ambientalista e suas inquietações passaram a tomar forma mais robusta, no âmbito mundial. Na época, o consumo já passou a ser debatido, no contexto ambientalista. Antes ainda, a “simplicidade voluntária” já propunha uma vida mais leve e com menos itens de consumo - fortemente ligada a questões de espiritualidade. Possivelmente, todos esses movimentos se influenciaram mutuamente e trocaram características, pois reuniam ideias semelhantes, focadas na redução do consumo para uma vida mais leve, com mais significado e de menor impacto ambiental.
De todo modo, por aqui, o “minimalismo” como estilo de vida passou a despertar o interesse por volta de 2019. As práticas minimalistas estiveram presentes no cotidiano desde sempre, mas o “movimento”, em si, teve seu estudo aprofundado durante as pesquisas para elaboração de materiais para uma disciplina chamada “Meio Ambiente e Consumo”, das pós-graduações da Verbo Educacional. No planejamento das aulas, o documentário “Minimalismo Já” trouxe relatos muito interessantes de pessoas que adotaram as propostas de reduzir seu consumo de modo significativo e contínuo, fazendo mudanças profundas no seu modo de viver.
Cabe registrar que esse documentário teve uma primeira versão em 2018, e foi regravado em 2021. A versão disponível atualmente na Netflix e também no YouTube é a mais recente. No filme, dois amigos relatam as estratégias que usaram, ao longo de anos, para libertarem-se de itens desnecessários que apenas ocupavam espaço em suas casas, sem uso. Nesses processos, além de mais espaço nos armários, os publicitários descobriram que menos coisas podem trazer mais tempo livre, mais economia e mais significado nas experiências de vida. Por isso, afirmam que “nossas memórias não estão nas coisas.”
É interessante observar que a motivação para uma redução drástica do consumo pode ser diversa e muitas vezes surge da necessidade de mudança para uma casa menor, ou até mesmo pelo desapego de itens de uma pessoa querida que faleceu. Em ambos os casos, os jovens publicitários depararam-se com diversos objetos que não eram utilizados há muito tempo. Outros livros e perfis em redes sociais relatam o cotidiano de pessoas que escolheram consumir de modo mais consciente e menos impactante, ilustrando as possibilidades e os desafios encontrados no seu dia-a-dia. Quem já se envolveu com práticas sustentáveis, com certeza, também tem histórias para contar a respeito.
Numa busca rápida pela internet, hoje encontram-se muitos materiais a respeito do “minimalismo”, da “simplicidade voluntária” e do “consumo consciente”. Embora valha a pena registrar que cada um desses conceitos carrega consigo uma trajetória histórica distinta de construção e que são diferentes (conceitualmente) entre si, todos comungam com o propósito de consumir de modo mais crítico e menos impactante, sob o ponto de vista socioambiental. Essas escolhas, além de diminuírem o impacto ambiental das nossas compras, refletem em outras áreas da experiência humana.
Sabe-se que felicidade não é consumo, é experiência, porém, o consumismo tornou-se um elemento de muita satisfação pessoal, que é experimentado por pessoas de todas as idades e origens. Não pode-se negar a pressão exercida pelos apelos publicitários. A respeito disso, a autora Francine Jay (2016) afirma que “publicitários, empresas e políticos gostam de nos definir como consumidores”. Na contramão do consumo desenfreado e desnecessário, seu livro “Menos é mais” relata a experiência da autora com uma vida com menos elementos nos armários e bolsas e com mais satisfação pessoal e experiências de vida significativas.
Marion Woodman (2002) também reflete a respeito do papel de satisfação pessoal atribuído ao consumo, na atualidade: “Faz parte das tentativas vigentes em nossa cultura garantir a segurança por meio dos objetos concretos, até estarmos enterrados vivos sob nossas pilhas de bens ou quinquilharias, dependendo da perspectiva”. O grande problema está justamente na frustração que percebe-se ao observar o quanto é momentânea a felicidade trazida por meio das compras - não uma alegria genuína e duradoura como as experiências vividas e experimentadas. Em pouco tempo, aqueles itens adquiridos tornam-se (ou aparentam-se) obsoletos - e uma nova aquisição se faz necessária para preencher o vazio.
Vazio este simbólico - vivido e experimentado. Assim, a tendência é de que estes “bens” acumulem-se em nossas casas, despensas, armários, gavetas, bolsas, geladeiras. Os protagonistas do documentário “Minimalismo Já” resumem que “estamos nos fartando das coisas erradas e morrendo por falta do que realmente importa.” Essa falta pode incluir espaço físico, tempo livre e de ócio, momentos com amigos e a família ou momentos em meio à natureza, por exemplo.
Yuval Harari (2015), no livro “Uma breve história da humanidade” faz um resgate da (recente) experiência humana sobre o planeta Terra, e em diferentes contextos explora os impactos causados pela espécie sobre os recursos naturais e os ecossistemas. De modo subjetivo, o consumo e a satisfação pessoal por ele trazida estão presentes em muitas reflexões do livro, da qual registra-se a seguinte:
“Apesar disso, apesar das coisas impressionantes que os humanos são capazes de fazer, nós continuamos sem saber ao certo quais são os nossos objetivos, ao que parece, estamos insatisfeitos como sempre. Avançamos de canoas e galés a navios a vapor e naves espaciais - mas ninguém sabe para onde estamos indo. Somos mais poderosos do que nunca, mas temos pouca ideia do que fazer com esse poder. O que é ainda pior, os humanos parecem mais irresponsáveis do que nunca. Deuses por mérito próprio, contando apenas com as leis da física para nos fazer companhia, não prestamos contas para ninguém. Em consequência, estamos destruindo os outros animais e os ecossistemas à nossa volta, visando a não muito mais do que nosso próprio conforto e divertimento, mas jamais encontrando satisfação. Existe algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o que querem?” (Harari, 2015).
Logicamente a satisfação pessoal é um tema muito complexo para se discutir de modo raso, o que inclusive não é o objetivo deste texto. Porém, fato é que o consumo, a compra e a posse são elementos que fazem parte de muitos momentos de prazer humano. Porém, não são as experiências mais valiosas e carregadas de significado que a vida humana pode ter e, quando baseia-se a expectativa de felicidade pautada somente na prática do consumo, pode-se se frustrar com facilidade.
Diante desta compreensão, as iniciativas de um estilo de vida menos impactante, com mais significado e experiências do que com o consumo de bens materiais, iniciativas como o “minimalismo” e a “simplicidade voluntária” vêm ganhando muitos adeptos. São pessoas que estão dispostas a viver somente com o necessário, realizando escolhas melhores e mais sustentáveis. Jay (2026) aponta que esse movimento é crescente: “depois dos excessos econômicos das últimas décadas, há uma desilusão crescente com o consumismo e uma onda de interesse por vidas mais simples e gratificantes.”
Entre as práticas que a autora relata, inseridas no cotidiano doméstico, uma das mais importantes é verificar a UTILIDADE de cada item que se possui. Pode ser surpreendente o volume de coisas inúteis acumuladas que se percebe quando se faz uma análise crítica de cada cômodo ou gaveta da casa. Isso vale para roupas que não circulam fora do armário há um ano (ou mais), vasos empoeirados e frascos de temperos mofados. Coisas e mais coisas guardadas, ocupando espaço e demandando atenção ou limpeza constantes. A autora sugere que se faça periodicamente uma verificação em todos os pertences, eliminando sempre o que não faz mais sentido guardar.
É importante que nesse processo de “limpeza”, procure-se a destinação correta para todos os bens. Muitas coisas podem ser doadas, se estiverem em bom estado, como roupas, calçados e acessórios. Móveis e utensílios também podem ir para quem precisa. É válido ainda vender ou trocar o que se julgar necessário, com sites específicos essas atividades ficam mais fáceis. Elementos que não podem ser reaproveitados devem ir para a coleta seletiva. Pode-se ainda doar para catadores de materiais reciclados caso não haja coleta seletiva disponível no seu município. O importante é dar um destino válido para aquilo que não faz mais sentido guardar.
Interessante observar que toda vez que uma pessoa “passa trabalho” para dar o destino adequado para algum item que não usa mais, ela faz um exercício importante de repensar a necessidade de adquirir um novo item semelhante. A respeito disso Jay (2016) lembra que “É melhor jamais ter possuído um objeto do que ter de se preocupar com o modo como ele foi feito, como chegou aqui e como nos livraremos dele depois”.
Mas nem sempre guardamos itens que nós mesmos adquirimos. Quantos brindes e presentes ganhamos, que, simplesmente, não são necessários, ou utilizáveis? São garrafas de água, copos térmicos, camisetas promocionais, chaveiros, blocos de anotações, canetas, entre outros. Obviamente quem presenteia ou dá esse brinde tem boas intenções! Mas por vezes não se desapega deles, justamente por termos recebido como um sinal de carinho ou de lembrança de alguém. Inclusive quando pensamos em práticas sustentáveis, corre-se o risco de gerar mais elementos que não tem real necessidade ou utilidade. Exemplo disso são as sacolas de tecido, que muitas vezes recebemos e não fazemos uso, ou ainda, os canudos metálicos reutilizáveis.
Os canudos plásticos descartáveis são um grande problema ambiental. Utilizados por apenas alguns minutos, nem sempre são descartados de modo correto, ou seja, para a coleta seletiva e posterior reciclagem. Devido ao seu baixo peso, podem ser liberados em espaços abertos e, levados com o vento, chegam aos oceanos e rios, impactando tanto o ecossistema quanto os animais ali presentes. Por vezes, na intenção de diminuir o impacto ambiental de um elemento, como os canudos plásticos descartáveis, por exemplo, acaba-se gerando uma demanda antes inexistente. Em relação aos canudos, é possível simplesmente escolher não utilizá-los (a menos que exista uma necessidade específica, como a dificuldade para a ingestão de líquidos, por exemplo). Não há uma demanda real pela produção de canudos metálicos que podem ser lavados e reutilizados. Mas muitas pessoas recebem estes canudos como um brinde simbólico e sustentável, o que produz, em última análise, mais um item a se guardar na cozinha ou na bolsa. Lembrando que é possível desfrutar de uma bebida SEM um canudo, de qualquer tipo.
A questão dos presentes é ainda mais difícil de conduzir, porque muitas vezes eles são recebidos de pessoas que nutrem afeto e boas intenções. É importante lembrar que eles deveriam ser muito mais um gesto simbólico para demonstrar carinho, do que de fato o oferecimento de um elemento concreto de alto valor financeiro:
“Ao longo da história, os presentes sempre foram poderosamente simbólicos e são usados para prestar respeito, obter favores, expressar amor, demonstrar hospitalidade, selar amizades e pedir perdão, entre outras coisas. A palavra-chave aqui é simbólico. O presente em si não passa de um símbolo de um sentimento, uma intenção ou uma relação — que, mesmo sem o objeto, continuam vivos. Em outras palavras, o laço representado por aquela caneca em que está escrito ‘Melhor amigo’ tem pouco a ver com a caneca em si. Infelizmente, o ato moderno de dar presentes foi dominado pela agressividade do marketing. Em cada feriado importante, somos metralhados por anúncios que nos incentivam a comprar isso, aquilo e aquilo outro para nossos entes queridos. Eles prometem que a felicidade irá reinar se dermos a joia certa para a nossa esposa, o eletrônico certo para o nosso marido, o cachecol certo para a nossa amiga e os brinquedos certos para os nossos filhos — e, por outro lado, insinuam a decepção que eles irão sofrer se não os comprarmos. Por consequência, nossos presentes hoje em dia costumam ser carregados de obrigações, expectativas e culpa” (Jay, 2016).
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