É preciso aprender a dividir o alimento!
- Vanessa Schweitzer dos Santos
- 24 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 24 de mar. de 2024
Quem é do sul do Brasil sabe a delícia que é um pinhão bem quentinho! Essa semente super nutritiva, da nossa majestosa araucária (espécie Araucaria angustifolia), é um alimento muito importante para diversos animais nativos. E para a própria espécie arbórea, considerando que é uma semente, possui um papel ecológico relevante. As gimnospermas, o grande grupo botânico ao qual as araucárias pertencem, são caracterizadas justamente pela presença de sementes “nuas”, sem o envoltório da fruta ao seu redor. E, considerando a mata de araucária (Figura 1), não dá pra negar que elas são as “rainhas da floresta”!

Figura 1: floresta de araucária. Fonte: a autora.
Nós, seres humanos, descobrimos o valor nutritivo e saboroso do pinhão (que pode ser utilizado em pratos como carreteiros, farofas e outros) e passamos a consumir os pinhões maduros como fonte de alimento. Como é uma semente, se não for consumido por algum animal, quando cai no solo, maduro, o pinhão pode germinar, produzindo assim uma nova árvore de araucária (Figura 2).

Figura 2: uma araucária. Fonte: a autora.
Entre os animais que consomem os pinhões na natureza, pode-se citar a cotia, o bugio, o ouriço, a gralha azul e o papagaio charão. Esse último, por sinal, tem uma preferência quase que exclusiva pelas sementes dos pinheiros. Enquanto alguns animais consomem o alimento diretamente no momento de coleta (como pode ser observado na Figura 3), outros têm o hábito de esconder as sementes no solo, para consumo posterior. O esquecimento desses animais facilita a propagação das araucárias, cujos pinhões germinam no solo onde foram “plantados” despretensiosamente.

Figura 3: um pinhão encontrado no solo, com sinais de que foi alimento para algum animal. Registro feito em Canela/RS. Fonte: a autora.
O pinhão é recoberto por uma casca rígida, que geralmente abre-se parcialmente, quando nós, espécie humana, fazemos o cozimento dele para consumo. Apesar de ser um alimento facilmente encontrado na região sul do país, o processo de desenvolvimento do pinhão pode levar muitos meses! A Araucaria angustifolia é uma árvore que possui indivíduos “fêmea” e indivíduos “macho”, e através da polinização, principalmente pelo vento, ocorre o desenvolvimento da pinha, uma estrutura esférica, ao redor da qual os pinhões se desenvolvem e vão, ao longo dos meses, crescendo.
Na realidade, a pinha não é “fechada”, como se observa na Figura 4. Ela é composta justamente por uma estrutura redonda, formada pelos próprios pinhões, que ao ficarem maduros, vão “abrindo” a pinha. Geralmente entre os meses de março e julho é possível encontrar os pinhões maduros e adequados para o consumo humano. As pinhas caem no solo e debulham os pinhões, espalhando-os ainda inteiros e próprios para o consumo (in natura pelos outros animais, ou cozidos, por nós).

Figura 4: uma pinha debulhando os pinhões. Fonte: a autora.
Para permitir que esses processos de amadurecimento e debulha ocorram de modo natural e no tempo adequado, cada estado brasileiro pode estabelecer uma data específica para a permissão da colheita e da comercialização dos pinhões. Essa data é chamada de “defeso do pinhão”. O principal motivo dessa restrição, é garantir que os pinhões maduros estejam disponíveis para diversos animais, que encontram na semente uma fonte nutritiva para garantir sua sobrevivência nos meses mais frios do ano. Vale lembrar que quando as pinhas caem no solo, geralmente, o pinhão está maduro.
Também cabe lembrar que na região sul, os meses de outono e inverno são bastante rigorosos. Nos meses gelados, no sul do hemisfério sul, poucas espécies produzem frutos que podem ser consumidos in natura. Nós, humanos, podemos suprir essa demanda com diversos alimentos processados e facilmente comercializáveis, o que não ocorre na natureza, com os demais animais.
Sem a restrição legal, por vezes, as pessoas recolhem pinhas ainda verdes, para que os pinhões amadureçam já no comércio. De imediato, essa ação ilegal restringe a disponibilidade de alimento (em alguns casos um dos poucos disponíveis nessa época do ano) para a fauna nativa. Além disso, dificulta a propagação natural das araucárias, que dependem da queda das sementes maduras no solo. Nas Figuras 5 e 6 percebem-se pinhões encontrados em Canela/RS, com sinais de que foram aproveitados como alimento por algum animal.


Figuras 5 e 6: pinhões com sinais de que foram consumidos como alimento por algum animal. Fonte: a autora.
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