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Prazer, sapiens - apenas mais uma entre tantas espécies

  • Foto do escritor: Vanessa Schweitzer dos Santos
    Vanessa Schweitzer dos Santos
  • 17 de jan. de 2024
  • 6 min de leitura

No livro “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade” o professor Yuval Noah Harari faz um resgate da história evolutiva humana. Para o autor, que é doutor em história, a humanidade experimentou três grandes momentos evolutivos, que moldaram a maneira como a espécie se comporta atualmente, em termos individuais e coletivos: a Revolução Cognitiva (há aproximadamente 70 mil anos), a Revolução Agrícola (há cerca de 12 mil anos) e a Revolução Científica (500 anos atrás). O livro se encerra com uma projeção dos próximos tempos, espaços e desafios que se colocarão aos humanos (ou aos super-humanos).

De acordo com o professor Yuval Noah Harari, o primeiro grande evento histórico/evolutivo que impulsionou a espécie humana a ocupar todo o globo terrestre, se organizar em sociedades e “dominar” todas as outras espécies e os recursos naturais, foi a capacidade de imaginar coisas que não existem, comunicando essas informações e construindo redes coletivas de indivíduos que acreditavam nesses mesmos conceitos (e cooperavam a partir dessas premissas):


“Desde a Revolução Cognitiva, os sapiens vivem, portanto, em uma realidade dual. Por um lado, a realidade objetiva dos rios, das árvores e dos leões; por outro, a realidade imaginada de deuses, nações e corporações. Com o passar do tempo, a realidade imaginada se tornou ainda mais poderosa, de modo que hoje a própria sobrevivência de rios, árvores e leões depende da graça de entidades imaginadas, tais como deuses, nações e corporações (Harari, 2015).”


Revisitar essa leitura no começo das férias me fez refletir novamente sobre algumas questões cruciais da área ambiental. Não concordo com todas as leituras que o autor faz dos eventos históricos e evolutivos pelos quais a espécie humana passou, mas fato é que essa obra incomoda. Isso porque deixa evidente o quanto nossa presença na Terra é insignificante. Restringindo minhas percepções à minha área de formação e trabalho (ciências da natureza e ambiental), e observando os elementos relacionados à evolução que são apresentados no livro, o incômodo que ele provoca decorre de elucidar que somos, enquanto espécie, apenas mais uma dentro da dinâmica ecológica. Independentemente de títulos, posses ou posição social, somos apenas “mais uma” espécie.

Ainda que tenhamos um impacto gigantesco sobre os recursos naturais e sobre todos os outros seres vivos, em termos de evolução biológica, somos tão importantes e relevantes para o planeta Terra quanto as bactérias que moram no nosso estômago ou os fungos que atacam nossos pães no armário. Admitir e considerar isso é incrível! Assustador (talvez), deprimente (possivelmente), ou ainda tranquilizante (para algumas pessoas) - mas a realidade é que o mundo não gira em torno dos humanos ou de qualquer grupo de seres vivos em particular. Isso não significa, de modo algum, que não tenhamos responsabilidade sobre nossos impactos (que têm sido horríveis) sobre o planeta:


“Muito antes da Revolução Industrial, o Homo sapiens já era o recordista, entre todos os organismos, em levar espécies de plantas e animais mais importantes à extinção. Temos a honra duvidosa de ser a espécie mais mortífera nos anais da biologia (Harari, 2015).”

 

Embora não adote uma visão explicitamente apocalíptica, o autor de “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade” indica que a humanidade pode estar se encaminhando (por responsabilidade própria) para um colapso ambiental. É interessante observar que Yuval Noah Harari indica que esse colapso pode ser da espécie humana (e de outras que estão diretamente associadas a nós e ao nosso consumo de recursos naturais), mas que ele não significa o final do planeta Terra, em si. Penso que essa visão é bastante lúcida e reforça a pequena relevância que temos, diante da complexidade biológica de recursos naturais e da diversidade de seres vivos que dividem conosco esse planeta que chamamos de casa:


“Muitos chamam esse processo de ‘destruição da natureza’. Mas, na verdade, não é destruição, é transformação. A natureza não pode ser destruída. Há 65 milhões de anos, um asteroide exterminou os dinossauros, mas ao fazer isso abriu caminho para os mamíferos. Hoje, a humanidade está levando muitas espécies à extinção e pode inclusive aniquilar a si mesma. Mas outros organismos estão se saindo muito bem. Ratos e baratas, por exemplo, estão no seu apogeu. Essas criaturas obstinadas provavelmente sairiam debaixo dos escombros fumacentos de um armagedom nuclear prontas para espalhar seu DNA. Talvez daqui a 65 milhões de anos, ratos inteligentes olhem para trás e sintam-se gratos pela dizimação causada pela humanidade, assim como hoje podemos agradecer àquele asteroide que destruiu os dinossauros (Harari, 2015).”


É inegável que os avanços científicos e tecnológicos trouxeram benefícios para a humanidade e também para a proteção dos recursos naturais. Seria até mesmo imoral avançarmos tanto em termos de conhecimentos e não revertermos isso em qualidade ambiental e de vida. Porém, concordo com o autor a respeito de que poderíamos fazer mais e usar melhor tantas informações, metodologias, produtos e processos que foram desenvolvidos, sobretudo nas últimas décadas.


“Nas últimas décadas, pelo menos fizemos algum progresso real no que concerne à condição humana, como a redução da fome, das pragas e das guerras. Mas a situação de outros animais está se deteriorando mais rapidamente do que nunca, e a melhoria no destino da humanidade ainda é muito frágil e recente para que possamos ter certeza dela. 

Apesar disso, apesar das coisas impressionantes que os humanos são capazes de fazer, nós continuamos sem saber ao certo quais são os nossos objetivos, ao que parece, estamos insatisfeitos como sempre. Avançamos de canoas e galés a navios a vapor e naves espaciais - mas ninguém sabe para onde estamos indo. Somos mais poderosos do que nunca, mas temos pouca ideia do que fazer com esse poder. O que é ainda pior, os humanos parecem mais irresponsáveis do que nunca. Deuses por mérito próprio, contando apenas com as leis da física para nos fazer companhia, não prestamos contas para ninguém. Em consequência, estamos destruindo os outros animais e os ecossistemas à nossa volta, visando a não muito mais do que nosso próprio conforto e divertimento, mas jamais encontrando satisfação. Existe algo mais perigoso do que deuses insatisfeitos e irresponsáveis que não sabem o que querem? (Harari, 2015).”


De todo modo, a Revolução Científica apontada em “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade” dialoga muito com o meu trabalho docente, na área ambiental. Enquanto professora de ciências para a educação básica e da área ambiental no ensino superior, percebo a Ciência com encantamento e entusiasmo, ainda que compreenda que poderíamos fazer muito mais com ela. Para além dos avanços tecnológicos, a metodologia científica compreende um modo de ver, refletir, duvidar, e desenvolver conhecimentos que mudou todo o rumo da história humana - positivamente e negativamente, quando utilizada de modo deturpado ou antiético. A Revolução Científica foi um divisor de águas em relação ao desenvolvimento humano:


“A ciência moderna difere de todas as tradições de conhecimento anteriores em três aspectos cruciais:

  1. A disposição para admitir ignorância: a ciência moderna se baseia na sentença latina ignoramus - “nós não sabemos”. Presume que não sabemos tudo. O que é ainda mais crucial, aceita que as coisas que achamos que sabemos podem se mostrar equivocadas à medida que adquirimos mais conhecimento. Nenhum conceito, ideia ou teoria é sagrado e inquestionável.

  2. O lugar central da observação e da matemática: tendo admitido a ignorância, a ciência moderna almeja obter novos conhecimentos e o faz reunindo observações e então usando ferramentas matemáticas para relacionar essas observações em teorias abrangentes.

  3. Aquisição de novas capacidades: a ciência moderna não se contenta em criar teorias. Usa essas teorias para admitir novas capacidades e, em particular, para desenvolver novas tecnologias (Harari, 2015).”


Quanta diferença fez e faz admitir tudo que não sabemos! Com quase 15 anos formada na graduação, poderia citar diversos exemplos de conceitos biológicos que tínhamos em 2010 e que atualmente foram revistos. Inclusive, uma aula de virologia que aplicávamos antes de 2019 e da pandemia, precisaria ser repensada em muitos conceitos teóricos e práticos, agora em 2024. Para aprender e ensinar, é preciso estar aberto ao novo! É uma característica das Ciências estar disposto a duvidar, rever, ponderar. 

Na continuidade da obra, o professor Yuval Noah Harari publicou “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã” - uma leitura que farei em breve. É tentador projetar nossos próximos passos enquanto espécie. O próprio autor traz em diversos momentos do texto o quanto essa tarefa é complexa, pois muitas vezes é difícil prever o que acontecerá nas décadas mais imediatas. Enquanto elemento vivo, a história (humana e de qualquer outra espécie), pode mudar a qualquer instante. 

As previsões de Yuval Noah Harari tendem a apresentar uma sociedade de super-humanos, projetados e criados a partir de avanços científicos e tecnológicos. Para o autor essa “nova espécie” substituirá a nossa. Quem sabe?

Tomara que tenham mais sabedoria no uso do conhecimento que produzirem (nós nem sempre temos, é bem verdade). Os recursos naturais e as demais espécies seguirão as leis da biologia evolutiva e da natureza como um todo. Claro, tudo aquilo que sobrar do que destruímos, enquanto seres humanos (ou super-humanos). O autor ainda afirmou, no livro “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade”, que a capacidade de cooperar foi um diferencial histórico do sucesso dos humanos. Talvez, se a gente voltar a usar esse recurso da cooperação, tenhamos um futuro mais promissor do que as previsões de “Sapiens - Uma Breve História da Humanidade” apontam.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HARARI, Yuval Noah. Sapiens - Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 4 ed. 464 p.



 
 
 

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