Cuidar dos seus resíduos domiciliares é agir localmente!
- Vanessa Schweitzer dos Santos
- 24 de ago. de 2020
- 12 min de leitura
Nós educadores ambientais atuamos em muitas frentes! Já tivemos um texto aqui no blog sobre o entendimento da educação ambiental como um caminho, um processo contínuo e permanente. Portanto, uma prática (ou um conjunto de práticas) que pode incorporar muitas atividades, dentro do contexto ambiental. Poderíamos citar aqui abordagens sobre os corpos hídricos e a proteção da água, os ecossistemas e seus serviços ecossistêmicos, a biodiversidade e sua importância, as espécies nativas e exóticas, a sustentabilidade e seus diferentes aspectos, entre tantos e tantos temas relevantes!
Talvez, inclusive, para quem está iniciando essa caminhada, fique a dúvida: por onde começar!?! Pensando nisso, e considerando que muitos de nós ainda estão em isolamento físico, trabalhando remotamente e passando mais tempo em casa, por conta da pandemia do COVID-19, o presente texto abordará aquele que talvez seja o tema mais recorrente (e frequente) das atividades de educação ambiental: os resíduos sólidos. Como um dos propósitos desse espaço virtual é justamente discutirmos questões locais relacionadas à educação ambiental, debateremos nesse momento os resíduos domiciliares - sempre começando pela nossa casa! Agir localmente, pensando globalmente!
O Brasil tem uma das mais completas legislações quando o assunto são os resíduos sólidos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) estabelece inclusive uma ordem de prioridade na gestão dos resíduos, conforme segue: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento, e, quando esgotadas estas possibilidades, a disposição final dos rejeitos. Esse registro na abertura do texto é importante, para termos em mente durante toda a leitura (e especialmente em nossas práticas, sejam elas educativas ou domiciliares). Muito antes da disposição final adequada e até mesmo da reciclagem dos resíduos, a não geração dos mesmos é fundamental!
Cabe também registrar que a Educação Ambiental é um dos instrumentos de execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essas práticas educativas também inserem-se, conforme a referida legislação, nos Planos Municipais de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos.
Eu me considero uma pessoa com hábitos sustentáveis, procuro agir conforme os pressupostos da sustentabilidade no meu cotidiano e nas minhas escolhas, mas confesso que o NÃO CONSUMO é um desafio por aqui. Não estou me referindo ao consumo enquanto consumismo, enquanto compra como forma de satisfação pessoal, do ter por “ter”. Até considero que sou bastante responsável em relação à isso. Mas consumir (o necessário, o essencial) de maneira sustentável é um grande desafio, e tem sido um tema de muito estudo, reflexão e dedicação, nos últimos meses. Ainda farei um texto sobre esse assunto, compartilhando minhas muitas angústias e algumas respostas que já encontrei. Quem quiser vir comigo nessa aprendizagem, sinta-se convidado!!
O fato é que consumo e geração de resíduos andam lado a lado - pensar na gestão de resíduos exige questionar os hábitos de consumo. Simples assim! (Força de expressão, lógico que não é simples - questionar a maneira como consumimos mexe com muitas concepções, valores e escolhas individuais).
No Blog da Compostchêira há um texto sobre a relação entre o consumo e a gestão dos resíduos, aliás, teremos uma série de textos relacionados à não geração de resíduos, no blog deles. Considerando que o não consumo promove a não geração de resíduos! Fica a dica de leitura! Volto a falar da Compostchêira ainda nesse texto.
Porém, além da legislação ampla, temos também diversos desafios na gestão de resíduos no país. Por sinal, nas nossas atividades educativas ambientais, por vezes ainda nos vemos obrigados a reforçar que o termo “lixo” já está em desuso há décadas - e que os resíduos são, sim, passíveis de diversos tratamentos antes de seu descarte final (adequado quando ocorre em aterro sanitário, a saber). De qualquer forma, desafios estão aí pra gente superar, e os educadores geralmente são ótimos nessa tarefa!!
No âmbito domiciliar, a gestão dos resíduos não é menos desafiadora! Porém entendo que é preciso fazer aquilo que se diz. Dizem que as palavras convencem e que os exemplos arrastam, então, concordando com isso, percebo que não há outro caminho: é preciso cuidar dos nossos resíduos domiciliares!! Especialmente se você é um educador ambiental!
E por falar em “agir localmente”, a máxima cabe nesse contexto: conheça a gestão dos resíduos no seu município! Como funciona? Tem coleta seletiva? É feita compostagem dos orgânicos? Há local para descarte de móveis inservíveis, restos de obra, resíduos eletrônicos? Essas informações são fundamentais para fazer os encaminhamentos necessários dos diversos resíduos que geramos no nosso cotidiano!! Faz-se necessário conhecer a gestão dos resíduos municipais, para podermos participar ativamente dela, seja como cidadãos, ou como educadores.
Do mesmo modo, é importante conhecer os SEUS resíduos! No Brasil a geração média diária, individual, é de pouco mais de 1 kg (ABRELPE, 2019). Deste total, aproximadamente 60% são de origem orgânica. Por isto, muitos dos exemplos trabalhados nesse texto serão sobre os orgânicos! Resolvendo eles, meio caminho está andado! Lembrando que os resíduos orgânicos são os restos de frutas, verduras, legumes, grama cortada, podas de plantas e árvores, borra de café, erva de chimarrão usada, entre outros.
Fiz um breve relato de como foi a organização, aqui em casa, da compostagem dos orgânicos, que está disponível no Blog da Compostchêira. Não vou me repetir aqui, então fica a sugestão de leitura do texto “Uma Compostchêira na minha Vida”. O pessoal da empresa Compostchêira trabalha com composteiras residenciais, em módulos/caixas práticas. Eles são de Porto Alegre/RS. O site deles tem muitas informações bacanas, material confiável e de qualidade, que pode tranquilamente ser adaptado para as práticas educativas ambientais. Na internet encontramos outras empresas que comercializam composteiras deste tipo, deixo o registro deles, porque conheço a qualidade dos produtos.
Escolhi a composteira em caixas, pela praticidade de deixar dentro de casa (numa área de serviços), pertinho da cozinha. Nós aqui em casa achamos ela bonita, além de servir de suporte para um vaso, heheheh! Logo abaixo mostro imagens dela e da organização das caixas. O uso é muito simples, no caso da Compostchêira as minhocas californianas (as especialistas em compostar os resíduos orgânicos) vêm junto na compra. A manutenção é mínima: basicamente colocamos os resíduos orgânicos na caixa superior, até enchê-la, misturando sempre com a terra que vai ficando nas caixas, cheia de minhocas. Quando a caixa está completa, trocamos ela de lugar com a do meio - enquanto uma é decomposta, a outra vai sendo alimentada. A última caixa, bem abaixo, acumula o biofertilizante (aquele líquido escuro, rico em nutrientes, resultado da decomposição dos orgânicos), que pode ser retirado periodicamente e utilizado nas plantas, sempre diluído numa proporção de 10 para 1.

Figura 1: composteira em caixas para residência. Fonte: a autora.
Tudo que eu poderia dizer sobre a manutenção e o manejo da composteira em módulos, vocês encontram no guia de compostagem da Compostchêira, disponível gratuitamente no site deles. Desde o que pode ser compostado, até o que fazer no caso de aparecerem algumas mosquinhas das frutas (resolve-se fácil, fácil, com um pouco de serragem!). Deixo apenas reiterado: é muito prático e fácil compostar os resíduos orgânicos com as composteiras em módulos! Dá para ter em apartamento, dá para montar uma semelhante com baldes - FAÇA! Sem comentar sobre tudo que podemos abordar nas práticas educativas ambientais a partir de uma composteira assim, no contexto escolar - observar ao vivo a compostagem acontecendo é demais!

Figura 2: minhocas californianas, as especialistas quando o assunto é decomposição da matéria orgânica. Fonte: a autora.
Outro bom motivo para fazer a compostagem é que se tem compostos fertilizantes de ótima qualidade: o húmus propriamente dito, e o líquido (biofertilizante). Quem não tem a possibilidade de aproveitar em casa pode fazer a doação dos mesmos. Mas para quem pode cultivar alguma coisa no pátio, compostar é quase uma obrigação! Aqui na minha casa a gente tem algumas plantas ornamentais e uma pequena horta - aproveitamos muito nosso composto! Ah, se a gente tivesse mais!! Abaixo, imagens do húmus que retiramos da composteira de caixas. Retiramos um balde cheio aproximadamente a cada 30 dias.

Figura 3: húmus retirado da composteira domiciliar. Fonte: a autora.
Falando em húmus, quem ler o texto indicado acima (Uma Compostchêira na minha Vida) vai descobrir que antes de termos a composteira em caixas, por aqui a gente tinha uma de chão. Basicamente um buraco fundo, onde a gente intercalava os restos orgânicos, um pouco de terra e um pouco de folhas secas ou grama. Em algumas épocas do ano ainda precisamos fazer uso dela. Explico: no verão as cascas de melancia dão um volume enorme de resíduos (3 melancias por R$ 10,00, quem nunca!?!), os abacaxis, na mesma época, são um pouco ácidos para as minhocas, além das podas tradicionais do outono. São restos orgânicos muito grandes e volumosos para a composteira de caixas, mas é claro que não vamos colocá-los na coleta de resíduos convencional. O mesmo acontece com os cítricos, em época de bergamotas e laranjas, produzimos muitas casas dessas frutas, e compostar todo esse volume nas caixas fica inviável. Aí, nesses casos, usamos a composteira “buraco”.
O problema de enterrar esses materiais é que não conseguimos aproveitar na íntegra o produto da sua decomposição. Nesse caso minhocas comuns, insetos, bactérias e outros organismos do solo decompõem a matéria orgânica , que acaba se espalhando pelo solo. Possivelmente a longo prazo aquele espaço tenha mais matéria orgânica, mas é muito diferente de uma composteira projetada para esse fim. De qualquer forma, é melhor do que encaminhar para a coleta convencional, onde esse material vai contaminar outros, recicláveis, inviabilizando seu aproveitamento. A composteira modular ainda é a melhor alternativa para o dia a dia: fácil de usar e produz compostos excelentes para nossa horta ou jardim!
Vou compartilhar algumas coisinhas que a gente já colheu por aqui, nas imagens abaixo. Já tivemos épocas de mais dedicação, outras em que temos menos tempo. O importante é fazer o que se consegue… Chás e temperos exigem menos manutenção, então temos eles o ano todo. As hortaliças dependem um pouco do clima, das chuvas, da quantidade de sol que chega nos canteiros. Como não usamos venenos nem nada do tipo, a gente acaba plantando mais o que se desenvolve bem naturalmente. Não é minha pretensão (ainda!) produzir todo meu alimento, mas é muito satisfatório colher algumas coisas em casa!

Figura 4: colheita da casa. Fonte: a autora.
E como na natureza tudo está interligado, compostar os orgânicos promove o cultivo de alimentos em casa, que promove uma alimentação mais saudável, que por sua vez promove a geração de mais resíduos do tipo orgânico. Aí tudo recomeça, porque a natureza também é cíclica!
Quando reCICLAmos nossos resíduos, estamos retornando eles para o ciclo produtivo - evitando a extração de novas matérias primas, geralmente de origem direta nos recursos naturais. Reciclar é fundamental, na gestão dos resíduos sólidos, mas é preciso ter em mente a importância de não gerar resíduos, pois a própria reciclagem consome energia em seus processos, exige o transporte de grandes volumes de materiais, sem falar da expressiva dificuldade para que estes processos de reciclo se efetivem, em âmbito local.
Poderia citar aqui diversos entraves destes processos de reciclagem, alguns de responsabilidade da gestão pública e outros tantos no contexto individual, seja dos cidadãos ou das organizações. Mas acredito que isso mereça um texto próprio. O fato é que precisamos buscar alternativas - enterrar os resíduos urbanos, ainda que nos aterros sanitários, é inconcebível, diante de todo conhecimento que vem sendo produzido, e de todo entendimento que temos atualmente, em termos de sustentabilidade. Basicamente: enterrar materiais que poderiam ser aproveitados de diversas maneiras, de modo que permaneçam em aterros por décadas, gerando poluentes líquidos e gasosos (ainda que sejam controlados/tratados), não faz mais sentido nenhum.
A maioria das grandes cidades possuem algum tipo de coleta seletiva - nem sempre atendendo todo o território, nem sempre na frequência adequada, por vezes sem adesão por parte da população. Muitas vezes o primeiro desafio para quem quer “cuidar” dos seus resíduos é encontrar um modo de encaminhá-lo para a reciclagem. Indico, sem dúvidas, que estes cidadãos preocupados com a gestão dos seus resíduos devem procurar se inserir nos processos de coleta seletiva do seu município (lembram da importância de conhecer a gestão dos resíduos sólidos na sua cidade!?!).
Para quem não consegue participar da coleta seletiva (se o seu domicílio não é atendido por ela, ou se os dias de coleta são poucos), procure cooperativas ou associações de catadores de materiais recicláveis da sua região! Essas pessoas fazem um trabalho de muito valor, em termos sociais, educativos e ambientais. Tive a oportunidade de fazer atividades de Educação Ambiental junto ao Programa Municipal de Gestão Social de Resíduos Sólidos aqui do município onde eu moro (Novo Hamburgo/RS), e aprendi muitas coisas importantes com os catadores, tanto enquanto educadora, como ser humano! Valores e ensinamentos que me acompanham no âmbito pessoal e sala de aula. Inclusive, é para estas cooperativas que eu encaminho os resíduos recicláveis aqui de casa. A maioria deles vai na coleta seletiva, mas algumas coisas mais volumosas, e especialmente os vidros, entrego pessoalmente nas unidades de separação, evitando sobrecarregar o caminhão da coleta e acidentes para os coletores.
O ideal é sempre encaminhar os materiais recicláveis limpos e secos. Sugestão na imagem da sequência. Quando indico esta limpeza, me refiro a retirar os restos de alimento que podem ficar nos potes/frascos/sacos plásticos. Nos casos em que é preciso fazer a lavagem, eu faço uma limpeza muito rápida, sem ficar esfregando demais os materiais (e sem gastar muita água tratada) - a ideia é remover os restos de alimentos, em uma higienização mínima. Além de evitar o mau cheiro e a atração de ratos/baratas e moscas enquanto armazeno aqui em casa esses resíduos, facilito o trabalho dos catadores. Me parece óbvio que estas pessoas também não gostam de mau cheiro ou animais em seu espaço de trabalho - uma questão de dignidade, eu diria… Sem contar que quando ainda estão sujos, os resíduos podem acabar contaminando papéis ou outros materiais, inviabilizando a sua reciclagem.

Figura 5: resíduos recicláveis que serão encaminhados para as cooperativas de catadores. Fonte: a autora.
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